Os anos setenta foram períodos de profunda instabilidade política. A ditatura civil/militar, chegada ao poder na década passado, tinha esgotado seu arsenal de crueldade – dizem os poetas: “de muito usada a faca já não corta” - e fora abandonada pelos seus aliados no exterior. A economia claudicava pelo esgotamento do modelo “Prafrente brasil” caracterizado pelo tripé do endividamento externo, capital estatal e o capital privado nacional. A desarmonia destes três agentes foi a senha para o fim do milagre.
Em consequência desta instabilidade diversos grupos recomeçaram a se organizar politicamente. Assim, conservadores e reformistas consolidaram em seus partidos em oposição aos militares, que não percebiam a ineficácia política, econômica e social de seus métodos. O “bipartidarismo”, camisa de forço imposta pelos ditadores, não cabia mais no jogo político. Os conservadores conseguiam manter sua unidade em razão das benesses que ainda recebiam do poder que ajudaram a usurpar. Os reformistas, rachados na base, nas paredes e no teto, travavam uma guerra intestina entre seus diversos seguimentos.
Impedidas de existirem enquanto partido e atuarem nas organizações classistas as exóticas ideologias eurocêntricas atuavam em diversos segmentos sociais. Infiltrados, seus militantes vestiam qualquer camisa para difundir tais exóticas teses. Assim, na clandestinidade podiam agir quase livremente.
A luta contra o racismo não estava excluída desta contenda. O surgimento do Ile Aiyê em 1974 fora o divisor de águas. Jovens negros do bairro mais afro-brasileiro do Brasil insurgiram-se contra a racismo na “terra do negro doutor”. Os representantes dos conservadores na mídia denunciam o “espetáculo do terror”. A cultura negra começa a abrir seu caminho como forma de luta política.
A reação dos reformistas não demorou a se manifestar. Seus satélites de forma revolucionaria, colocaram nas escadarias seu grito de protesto em uma luta que pretendia unificar todos os discriminados. Assim, nascia o MUCDR, uma reação politico/partidária paulista a insurgência politico/cultura de jovens baianos.
A ideia revolucionaria de unir todos os oprimidos se transformou no fiasco já na segunda reunião, quando os stalinistas reduziram a revolução num campo de refugiados negros ao transformar o MUCDR em Movimento Negro Contra a Discriminação Racial, o hoje MNU.
Estes dividiram o Movimento em fração estadual. Com efeito, não existe uma organização nacional e sim organizações estaduais submetidas a uma coordenação nacional sem poder político. Este movimento foi seguido de deslocamento de quadros para as seções mais estratégicas. Nestas seções os quadros atuavam tanto no partido quanto no movimento. Mas as decisões decisivas eram tomadas dentro do partido.
Podemos
concluir, portanto, que, com a chegada do Ile Aiyê, a Cultura se colocava como
propositora no processo político, a luta foi manipulada e metamorfoseada em
objeto de promoção individual.